quinta-feira, 19 de abril de 2007

Figuras antagônicas

Texto publicado na revista Carta Capital
Figuras antagônicas
por Sócrates

Guga jamais precisou se auto-afirmar desvalorizando os companheiros. Com altivez, respeitou ser preterido da seleção de tênis e torceu pelos amigos. Já Leão...
Sócrates
A recente passagem de outro técnico pelo Corinthians desnudou mais uma vez a desastrosa forma de administração do futebol brasileiro. Vejam se é possível acreditar que uma empresa coloque um funcionário temporário – já que raramente um técnico de futebol no Brasil termina uma temporada na mesma equipe – para formular a sua política de recursos humanos. Pois é quase sempre assim que funciona no nosso esporte. Não há planejamento, orçamento ou o que quer que seja que suporte tamanha insanidade. Depois da terra arrasada, os dirigentes vêm a público dizer, que de agora em diante, tudo vai mudar. Ora, isso é incompetência ou não? Não é à toa que quase todos os clubes se encontram em péssima situação econômica e precisam pedir esmolas o tempo todo à televisão para antecipar as cotas dos anos seguintes e assim poder pagar os seus funcionários. Isso me lembra a estratégia da construtora Encol, que vendia apartamentos por um preço muitas vezes próximo ou abaixo do custo, acreditando que as entradas futuras cobririam os rombos anteriores. Deu no que deu: quebrou e levou muitos clientes a perder muitas de suas posses.
Pois é, ofereceu-se a Leão plena liberdade para decidir quem e quando contratar, além de permitir que contribuísse decisivamente para a saída de alguns dos melhores atletas do clube, como Carlitos Tevez, Mascherano e Carlos Alberto. Contratou-se muito e mal, como o volante Daniel, que jamais foi titular de qualquer equipe, mas parece ter uma relação tão íntima com o técnico que este sempre tenta (e geralmente consegue) levá-lo para os clubes que dirige. O preparador físico que o acompanha, o sobrinho, além de ser um claro caso de nepotismo, já comprovou as suas limitações e talvez por isso, o fisiologista do clube – Renato Lotufo, professor da Universidade Federal de São Paulo – tenha sido afastado das funções assim como o fora o fisiologista do Palmeiras – Ivan Piçarro, professor da mesma universidade – quando de seu último período no Parque Antártica.
Além disso, ele é um indivíduo de difícil trato com comportamento no mínimo estranho e com vícios de relacionamento que sempre causam problemas com os desafetos que conquista. E muitos deles são seus próprios comandados, o que, convenhamos, não é um bom sinal para quem persegue resultados e títulos – até para o clube poder ter receitas que permitam responder pelos compromissos financeiros assumidos, inclusive com o próprio.
Um ser que deliberadamente tenta humilhar os atletas com quem trabalha, ao jogar a seus pés os coletes de treino, só para ter o prazer de vê-los em posição inferior, é normal? Um ser que tendo de possuir tato para se comunicar com seu público através dos meios de comunicação e reage à pergunta de uma jornalista com um irônico convite para uma noite em um motel é normal? Um ser que manifesta o seu preconceito contra os argentinos tendo três deles em seu elenco não é normal nem nunca poderá ser. Esse tipo de postura é próprio de quem se acha maior que os outros mortais. Imagino como se comportaria se tivesse sido ou se agora fosse o melhor do mundo naquilo que faz. Um desastre!
Por outro lado – felizmente há um outro lado –, vimos um antigo número 1 do esporte mundial no banco de reservas da equipe brasileira de tênis durante os jogos da Copa Davis. O grande Guga, sim, teria direito de ter alguma arrogância ou prepotência, por tudo que já conquistou e pelo que representa para o nosso esporte. Mas jamais precisou se auto-afirmar desvalorizando os seus companheiros. Com a altivez de um ser da melhor qualidade, respeitou ser preterido na escalação do time brasileiro e torceu, como sempre, pela vitória dos amigos. Um gesto que valoriza o homem naquilo que ele tem de melhor e que ensina a todos os nossos filhos como devem se comportar em sociedade, ainda que eventualmente seus interesses não estejam sendo contemplados.
Um criou um time destroçado, o outro proporcionou a vitória de uma equipe limitada. Os gestores do nosso futebol deveriam ter em mente que dependem do público para responder por suas administrações. Seja pela bilheteria nos estádios, pelos consumidores do esporte pela tevê, seja pelos produtos licenciados. E que este público espera que eles zelem pela imagem de suas instituições que, afinal, é quem conquista os aficionados que as acompanham. E que ter bons exemplos em seu corpo de funcionários é fundamental para criar fidelidade e simpatia. Que contratem, portanto, mais Gugas e menos egos.

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